A assuense Sílvia Filgueira de Sá Leitão é filha de Luís Correia de Sá Leitão e Maria Carolina Soares Filgueira Caldas. Nasceu em 17 de outubro de 1910, na Rua Frei Miguelinho, nº 137, sendo a quarta filha dentre 11 irmãos. Seus genitores, provenientes de famílias tradicionais, pertenciam ao grupo social que, juntamente a outras famílias, liderava movimentos culturais e intelectuais na velha Assú do início do século 20 – a Atenas Norte-rio-grandense.
No seio familiar, os pais zelavam
pela sua formação e das demais filhas (Dulce, Corina, Carmen, Letícia, Maria
Helena e Consuelo), educadas sob os auspícios dos princípios católicos, do
trato social, das prendas domésticas e estímulo às artes.
Não se uniu em matrimônio.
Entretanto, as funções do lar e de educadora, assim como as responsabilidades
pela formação de outros sujeitos, não deixaram de ser desempenhadas, à medida
que se tornou professora primária, educando meninos, meninas, moças e rapazes,
e assumindo os cuidados com a sobrinha Maria da Anunciação, órfã materna aos
dois anos.
Silvia, ou Silvinha como era
conhecida por muitos, estudou no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, em
Assú, tendo acesso ao curso primário completo, isto é, às Escolas Infantil,
Elementar e Complementar. Considerada aluna aplicada, se destacava pelas notas
alcançadas que lhe rendiam elogios públicos. No jornal A Cidade (1925, p.6), a
publicação dos resultados dos exames dos alunos do Grupo Escolar apresentava
Silvia como a aluna do primeiro ano do Curso Complementar Misto que obteve os
melhores resultados de aprendizagem, aprovada com distinção e média 9,66.
Na condição de aluna do Curso
Complementar Primário, em 1925 e 1926 Silvia participou do Grêmio
Complementarista do Grupo Escolar, fundado pelo professor Alfredo Simonetti. Em
23 de fevereiro de 1939, um mês após a morte do professor, Silvia, três de suas
irmãs e outras colegas organizaram a Polianteia, um impresso em
homenagem à memória de Alfredo Simonetti. O significado das ações empreendidas
por este mestre é destaque no artigo por elas escrito “Descansa em paz”. Neste
período contribuiu com outros escritos para o Grêmio Complementarista. Leitora
contumaz, dentre seus autores diletos, estão os poetas Olavo Bilac, Manuel
Bandeira, Gonçalves Dias, Cassimiro de Abreu e Cecília Meireles. Era amante da
Lapinha – encenação natalina trazida para Assú pelo seu avô Joaquim de Sá
Leitão em 1898, defendendo o cordão encarnado.
O envolvimento de Silvia com as
letras avança no tempo e na qualidade, ganhando notoriedade, especialmente
através de seus famosos cadernos manuscritos, aos quais,
Maria Carolina Wanderley Caldas – Sinhazinha Wanderley, muito apreciava.
Os cadernos manuscritos foram
cuidadosamente produzidos entre 1941 e 1979 e se constituem coletâneas de
contos, modinhas, canções populares, hinos religiosos, poemas e planejamentos
escolares e de cursos de formação, que inspirou o ensino de outras professoras.
A caligrafia cuidadosamente caprichada denota o esmero, o amor e a entrega pelo
ofício da escrita. Parte desses textos foi utilizada em práticas educativas
como professora, inicialmente no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,
onde lecionou entre os anos de 1947 e 1960, e em seguida na Escola Estadual
Juscelino kubitschek – ambas em Assú – até 20 de outubro de 1981,
quando se aposentou, aos 71 anos.
Os textos selecionados por Silvia em
seus escritos evidenciam maneiras de como viveu e pensou o mundo, foi educada e
educou seus alunos e filhos do coração que a vida lhe deu, com vistas à
formação de cidadãos de bem. Destacam-se os valores republicanos e conjunto de
atitudes identificadas pela escritora Júlia Almeida (1930) como trabalho,
inteligência, caráter, moralidade, magnanimidade de coração e crença na pátria
e em Deus. Seus planos de aula constituem valioso registro histórico dos
objetivos educativos da época, acrescido da perspectiva da escola não somente
como uma extensão do lar, mas inspirada no ambiente familiar, a fim de oferecer
uma atmosfera de segurança e afeto, condição propícia para uma boa
aprendizagem.
Certa feita, a amiga Sinhazinha
Wanderley presenteou-a com um poema intitulado Sílvia de Sá
Leitão:
É de boa estatura, a tez morena,
Tem dulçor, seu olhar,
O sorriso é suave, qual se fosse,
Um lírio a desabrochar
De rara inteligência, é esforçada,
Com zelo, com magia...
Tem cadernos de ponto e tem ainda,
De canto e poesia.
Tem uma paciência inesgotável,
Na arte de ensinar,
Vai à aula depois dos seus deveres,
No recinto do lar!
É muito preparada lá no Grupo,
Quinau, ninguém lhe passe!
Foi por merecimento nomeada,
Adjunta de classe.
Depois este lugar foi suprimido,
Pelo Departamento,
Mas ela, não ficou jamais avulsa
Nem mesmo um só momento
É pronta, a concorrer com seu auxílio
A quem a procurar
Ela vai com denodo e com carinho,
As turmas ensinar...
Eu dou-lhe o meu aplauso, o meu
abraço,
De todo coração
Saudando a professora competente,
Sílvia de Sá Leitão.
Após galgar 72 degraus da vida, boa
parte deles dedicados à educação, faleceu em 5 de setembro de 1982 e seu corpo
sepultado no Cemitério São João Batista, em sua amada Assú.
A professora Sílvia Filgueira de Sá
Leitão foi uma mulher notável, e através de suas práticas educativas, sinalizou
condições vividas e partilhadas na formação social assuense. Evidenciou
ideários educativos da sua época com vistas ao futuro, na construção de uma
sociedade melhor.
Os seus “cadernos manuscritos” são
cartas de amor às futuras gerações, eternizando versos, modinhas, contos...
escritos com as tintas da generosidade e do afeto que desafiam a efemeridade do
papel amarelado pelo tempo.
Nesta noite especial, onde minha
felicidade só tem sentido por ser partilhada com familiares e amigos, ela não é
minha, é de todos nós, é da cultura. Salve, Assú!
Muito obrigado.
FONTE – BLOG ASSU NA PONTA DA LINGUÁ,
DE IVAN PINHEIRO BEZERRA
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